sábado, 24 de julho de 2010

"E um dia decidiu, quis terminar
Só mais um gole, duas linhas horizontais
Sem a menor pressa, calculadamente
Depois do erro, a redenção"

A porta do quarto abriu subitamente e das sombras emergiu o garoto, ou seria um homem? Tinha um aspecto melancólico e seu rosto estava maltratado, nada físico, alma ferida; os olhos cansados se fecharam e com um rápido movimento bateu a porta, encostando-se ali como se procurasse defender seu quarto de demônios exteriores. O menino dos olhos cansados chorou, desejou que não fizesse parte daquele mundo, desejou não ser; olhou em volta o ambiente triste, seu quarto; nenhum lugar fora mais seguro durante toda sua vida do que ali, seu refúgio. Depois daquele dia não havia mais sonhos e muito menos perspectivas, ele sabia que era obrigado a fazer algo a respeito, sabia que era o fim; tudo já havia sido pensado, cada pequeno detalhe do plano fora planejada durante todas as noites de sofrimento iguais a essa; a cada acontecimento um detalhe era modificado, aperfeiçoado; mas aquela era a noite, é impressionante como quando se está na eminência do fim nada mais importa, grandes coisas como aquela tornam-se práticas, simples e incontestáveis. O menino dos olhos cansados ainda chorava compulsivamente, mas aquilo era comum; se existia algo que já fosse parte dele, era o choro. Abriu seu guarda-roupa e tateou a parte superior, suas mãos tocaram algo pequeno e quadrado: a caixa; o menino dos olhos cansados observou por instantes o pequeno objeto vermelho e abriu, ali estava o vidrinho cheio do líquido transparente, parecia mais umas daquelas amostras de perfumes; mas não era perfume. Dirigiu-se a sua mesa de estudos, procurou uma caneta e um caderno, escreveu sete cartas; não demorou muito, há muito tempo sabia exatamente o que escrever em cada uma delas. Faltava alguma coisa? O moletom marrom; abriu novamente o guarda-roupa e pegou aquela peça, sim, ele não poderia esquecer; agora tudo estava pronto. Certificou-se que as cartas estavam em um local visível e se deitou na cama com o recipiente na mão; tirou a pequena tampa preta e observou o líquido transparente, precisava fazer aquilo logo, com um súbito movimento despejou o conteúdo garganta abaixo. Era isso? Ainda não sentira nada; ficou ali, olhando para o teto; sentiu uma pequena pontada no coração e... Deus! O que ele acabara de fazer? Não! O menino dos olhos cansados se arrependeu de tudo, se tivesse uma segunda chance, a partir daquele momento ele lutaria, sentiu-se feliz. Mas a esperança foi interrompida fulminantemente pelos espasmos de dor que o atingiram e torturaram durante cinco minutos ininterruptos, pensara que tivesse dado errado, pensara que não sofreria, mas estava enganado; seu corpo debatia-se contra a cama e seus gritos não eram ouvidos, pois não havia gritos, sua voz já não existia; levantou-se da cama a procura de ar, mas aquilo já não existia, não conseguia mais respirar, sua feição maltratada e desesperada tornou-se agonizante e demoníaca; abriu violentamente os braços como se desejasse partir-se em dois e abraçar a vida novamente, levantou o rosto aos céus em uma ultima tentativa, mas havia acabado; os olhos soltaram das pálpebras, o rosto enrijeceu, e então despencou. Com a boca ainda aberta, lembrança de uma ultima luta pela sobrevivência, estava lá estendido no chão. Para sempre o menino dos olhos cansados.
 

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